05/08/2020

DOS AFETOS NA RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO

Minha vida de estudante começou muito cedo. Na escola institucionalizada, aos cinco anos. Nela já entrei  sabendo ler graças ao esforço da Tia Carmosa (que tinha uma escolinha no alpendre de casa) e o apoio de uma palmatória (“é o novo!” Você pensou). Essas vivências me ajudaram a compreender posteriormente as experiências de construção de relações de amor e ódio entre professores e alunos. A minha relação com a leitura é outra história e vai ficar para outra postagem. Vamos ao ponto desta.

Era o início dos anos 1970. A escola, EEFM Mariano Martins, ficava na periferia de Fortaleza, no Bairro Henrique Jorge, onde cursei do 1º ao 4º ano. Lembro de quando cheguei por lá e de que, por me acharem muito novinho, quase me mandaram de volta para casa. Provei que tinha de ficar ali ao ler meu nome escrito na lista de alunos colada na porta. Foi um espanto na escola. Lembro também da merenda escolar inesquecível que as “tias” preparavam. Não tenho também como esquecer as épicas batalhas de carrapicho e mamona na lateral da escola. Agora, se tem algo que me marcou mesmo foi o encontro com uma professora me incentivou aos estudos no 3º ano.

O nome da professora, Natércia. Foi amor à primeira vista, confesso. Quem nunca se apaixonou por alguma professora?  E não era difícil gostar dela. Era realmente linda e ensinava muito bem. A classe aprendia qualquer coisa que ela ensinasse e todo mundo era tratado com atenção.

Tinha um detalhe: eu mal conseguia me expressar, ficava nervoso e a voz simplesmente não saía. Às vezes, gaguejava. Quando chegava a hora de ler em voz alta na sala, a risada da classe era geral. Era um sacrifício. A Natércia, então, me colocou numa peça teatral na qual eu tinha só uma fala, mas valeu. Todo mundo esperando que eu gaguejasse, mas falei certinho. Veio a chamada para participar de um jogral, onde contei com a ajuda de uma aluna chamada Joelma em sucessivos ensaios, e outras atividades. Assim, o tempo foi passando e sem que eu percebesse, a dificuldade de me expressar havia me deixado.

Terminou o ano letivo e vieram as férias. Reiniciada as aulas, procurei e não vi mais a Natércia. “Foi para São Paulo”, disse a diretora. Nunca mais tive notícias dela e a escola pareceu meio triste por uns dias, mas tudo bem. Ela, como professora, já havia feito parte dela e ficou no meu coração.

Afeto e incentivo, hoje entendo bem isso, são elementos bem importantes nessa relação professor-aluno. Fico pensando no quanto a pandemia está nos fazendo perder nesse campo, no quanto se perde de afetividade nas novas relações que se estabeleceram a partir dos ambientes virtuais de aprendizagem. Sei que ainda vou pensar muito nesse assunto.


3 comentários:

  1. Na docência orientei vários trabalhos de conclusão de curso acerca da Afetividade na relação Docente e Discente, e, dentro das nossas reflexões, tem-se que o afeto, mais do que o abraço, a proximidade, consiste mesmo na acolhida da dúvida, do questionamento, da reflexão; no observar as dificuldades, como fez sua professora quando deu uma fala a você, respeitando o seu nervosismo. E, acredito sempre no Afeto, como este respeito, acolhimento da dúvida, das dificuldades, para transformá-las, na relação docente e discente. O aprendizado ocorre quando o afeto, a empatia, o respeito se fazem presentes. E, sim, são relações que deixam saudades e muita gratidão, como a demonstrada por você a Profª Natércia, que foi de fundamental importância para a superação de suas dificuldades, fossem na escola, fossem pessoais. Realmente, acredito que o Ser humano é uma grande colcha de retalhos. Cada retalho é uma pessoa com quem interage ao longo de sua existência, e que vai somando a construção da subjetividade, deixando a sua marca, também, no como aquela pessoa vai se tornando nesta trajetória da vida. É claro, que alguns retalhos são importantes apenas para nos mostrar o que não devemos fazer, por isso, jamais serão acrescidos a colcha, mas outros sempre vão estar presentes no bordado que vai sendo feito no nosso existir diário. Que honra ler seus escritos. Obrigada.

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  2. Ía esquecendo, no Ensino remoto, o afeto também se faz presente, sempre na acolhida da dúvida, na disponibilidade de tempo dedicada ao aprendizado, no construir atividades que possibilitem que o conhecimento vá sendo co-criado. Vejo com esperança este momento.

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  3. Que belíssimo relato, prof. Napoleão!

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